Quando Inventarem a Luz narra a história real de doze pessoas que, ainda hoje, vivem sem eletricidade no Brasil. Mas, não só energia elétrica, luz é tudo aquilo que esclarece o espírito. Sabendo que eletricidade não seria o que iria encontrar, apeguei-me à segunda opção e fui.

Saí de Osasco, São Paulo, em 30 de outubro de 2023. Nesta viagem, foram não apenas 2.000km e mais de 10h de percurso, mas atravessei o tempo e a cultura para encontrar uma vida iluminada – de uma maneira diferente – em Pau Ferro.

Meu voo aterrissou às 10h20 em Petrolina, Pernambuco, aeroporto mais próximo do meu rumo. Até Paulistana, Piauí, foram mais 173 quilômetros de ônibus e 37ºC no couro até finalmente chegar, pelo menos, ao centro da cidade.



Paulistana, apelidada antigamente pelos moradores de “Pau da Miséria”, está localizada ao sudeste do Piauí e conta com uma população de 21.055 pessoas. Apesar do chamamento incomodar os paulistanenses mais fervorosos, apenas 8% dos moradores é ocupado economicamente e 52,7% da população vive em domicílios com até meio salário mínimo por mês, segundo o IBGE.

O centro de Paulistana se assemelha muito a qualquer outra cidade do interior. Uma praça marca o ponto de encontro principal e se situa em frente a uma paróquia azul-clara, rodeada por casinhas coloridas de arquitetura bem marcada.


Adentrando na roça paulistanense, passei por lugares ilustres antes de chegar ao meu destino final, todos nomeados pela própria população. Primeiro, a região de Muito Gado, onde nenhum morador possui nem uma cabeça de gado sequer. Também, por Ninho do Pato, em homenagem a um ninho de patos encontrado há mais de 100 anos no topo de uma árvore, mas que seguiu na memória do povo, pois lá já não se encontra mais pato algum.

Refletindo como são os moradores, os nomes simples e bem humorados referem-se aos bairros rurais da cidade. Na verdade, nem usa-se essa palavra “bairro”. É tudo “a roça”. Quem decide o que cada terra é – ou não é – e como chamar cada porção que os olhos tocam é o povo, tanto que nenhum mapa da cidade foi capaz de representar cada rica região que ali se originou.

Além de mim e da minha mente metódica querendo pegar as coordenadas exatas de tudo e documentar cada vírgula copiosamente, terra nunca foi problema pra ninguém. Cada um sabe muito bem onde terminam e onde começam suas terras. Terras estas que são um bem sagrado! Muitas vezes, sua terra é tudo aquilo que você tem.

Há até mesmo quem quer ser plantado nas próprias terras, então é comum passar pelas estradas e avistar pequenos cemitérios particulares. Muitos sinalizam, ainda em vida, sua vontade de permanecerem no terreno que um dia foi seu. E é de praxe respeitar a vontade do morto e dá-lo a parte que lhe cabe da terra: dois metros por um e quarenta, que é o que basta para enterrar o caixão. Assim, vários moradores acabam sendo enterrados ali mesmo, sempre em frente à porteira de sua antiga roça e ao lado da casa que, hoje, fica para a família.

Túmulo de Cláudio

Em 1987, sua família preparou um casamento arranjado com uma mulher que ele não queria. O casamento seria no sábado de manhã e, na sexta à noite, ele se matou. 


Ainda, cabritos perambulam pela propriedade alheia durante o dia todo, mas, no final, sempre são encontrados por seu dono que os tange ao curral.

Lagoinha, Caldeirão, Tanquinho, Largo e Cachoeirinha foram outros dos “bairros” pelos quais passei. Os nomes fazem referência aos barreiros presentes na região. Depois de Batumaré, Pau d’Arco, Pedra Branca, Angical, Maria Preta, Atorado e Macambiro (ufa…) finalmente me aproximo da linha de chegada.


Ao longo da estrada de terra batida que percorri, pude ver, aos poucos, o mandacaru ganhando a companhia de postes de energia elétrica. Ou seja, a luz vai chegar em alguma casa. Nenhuma em Pau Ferro.

Assim que os fios deixaram de atrapalhar o início de um lindo pôr do sol, soube que estava me aproximando. Às 16h30, cheguei onde ninguém tem energia elétrica, ruas pavimentadas e nem mesmo endereço. Raros são aqueles que têm banheiros ou água encanada. Estou em Pau Ferro. Aqui deixei meus compadres e comadres à espera de algo que lhes foi prometido há tempos: a luz.

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